Edito um artigo do poeta mineiro Roberto Drumond escrito para a Folha de São Paulo no início dos anos 80. Interprete para 2018!
Senhoras e Senhores: lamento ter que informar que, neste exato momento,
uma moça brasileira está morrendo.
_São Joãozinho Trinta, santo e pecador da alegria brasileira, uma festa,
cheia de plumas e paetês, nos dai hoje...
_O que é minha filha?
_Estou com vontade de comer geleia de maracujá, pai...
_Mas você nunca vai comer geleia de maracujá minha filha...
_Mas eu queria comer é geleia de maracujá, pai...
_Geleia de maracujá nem existe, minha filha...
_Existe, pai, escuta, pai...
_ O que é, minha filha?
_ Estou com vontade de dançar, pai...
_Mas você nunca gostou de dançar, minha filha...
_`Por isso mesmo, pai. Eu queria usar um vestido bonito. Um vestido que
os homens iam me olhar e achar que eu era uma flor azul e verde...
_Mas você nunca foi uma flor, minha filha, por que agora você quer ser
uma flor?
_Por isso mesmo, pai, porque eu nunca fui uma flor. Mas os homens iam me
olhar e iam pensar numa flor...
_Você nunca falou assim antes, minha filha...
_ É, nunca falei. Eu queria dançar uma valsa, pai...
_Uma valsa, minha filha?
_É, pai...
_Mas você nunca dançou uma valsa antes, minha filha,...
_Por isso mesmo que eu queria dançar, pai...
_Está bem, minha filha...
_Está tocando uma valsa, pai...
_É, minha filha,...
_Está havendo uma festa, pai...
_Está minha filha...
_Todo o Brasil está na festa, pai?
_Está minha filha...
_Que bom, pai...
Senhoras e Senhores: lamento muito ter que informar que, nesse exato momento, enquanto Elba Ramalho canta na loja de discos e o Brasil parece feliz, uma moça brasileira acaba de morrer, deitada na perna do pai, mas se sentindo uma flor, uma rara flor do Brasil.
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