Madrid, 7 de dezembro de 83
A festa foi no último dia 29 de novembro. Sabe quem estava lá e conversamos muito? O Ives e a Simone. Também estava o Danny, le rouge, que ficou famoso em 68. O Fernando Gabeira contou de novo aquela estória de condutor de metrô em Estocolmo quando estava exilado, lembra? Quantas cartas já ti enviei. Foram tantas que nem sei ao certo. . Quando me sinto só lembro-me de ti, meu amigo. E a sua trilogia, está saindo do pensamento e entrando no papel?
Em um dos nossos últimos encontros entramos nesse café e resolvemos pedir uma garrafa de vinho. O garçom abriu uma, mais uma, e mais uma. Tomamos umas tantas garrafas e fumamos não sei quantos cigarros. Quando os maços acabaram, o garçom trouxe Gitanes. Só tinha Gitanes naquela noite. Não conversamos em nenhum momento sequer. Você com seus pensamentos e eu com os meus. Lá pela quase madrugada, pagamos e cada um seguiu rumos diferentes logo na saída do café. Nem um simples até logo foi dito. Foi o encontro mais honesto que já tive!
A sensação de utilidade em relação ao próprio país me parece diferente entre um europeu e um latino americano. Em um encontro que tive, anos atrás, com o Mário Vargas Llosa, ele comentou dessa mania que a Europa tem de achar que são nossos eternos protetores. Essa atitude impede nosso amadurecimento.
Pedrinho, estamos em 83. Lá se foram quase vinte anos. Nossos guerrilheiros de outrora estão envelhecidos e engajados na luta pela própria sobrevivência. Sem compromisso com o passado de lutas e ideais, olhando-se nos espelhos de hotéis baratos e incomodando-se com o que veem.
Quão românticos fomos. Estou assustado com o rumo das coisas. Até Shakespeare me assusta! Todos os livros que escrevi falam de lutas, ideias, vidas de outono. Meus personagens nada mais podem fazer. Boris, Karina, Pablo, Paco, Vicente, Ivan e tantos outros emudecem dentro das páginas. Grupos revolucionários viraram quadrilhas. Nessas horas lembro-me do Ettore Scala e seu filme “Nós que nos amávamos tanto“. Somos a própria frase de um dos personagens, “nós pensávamos que mudaríamos o mundo, mas foi o mundo que nos mudou”.
Há, lembra-se de uma estória bem antiga, quando na segunda guerra eu era correspondente em Londres, que eu lhe contei. A do jornalista colombiano? Uns colegas jornalistas me contaram que o safado era mesmo espião! A senhora austríaca com quem falava sempre pelo rádio, era um dos principais assessores do Hitler.
Imagina que um dia desses, li uma crônica do Roberto Drumond, em um jornal de São Paulo, que dizia mais ou menos assim em seu final, “Lamento muito ter que informar que neste exato momento, enquanto Elba Ramalho canta na loja de discos e o Brasil parece feliz, uma moça brasileira acaba de morrer, deitada na perna do pai, mas se sentindo uma flor, uma rara flor do Brasil". Ao mesmo tempo bonito e triste.
Quando do meu silêncio solidificarei uma nuvem e de lá viverei minha eternidade, flutuando por esse vasto mundo à procura de novos personagens, novas revoluções, novos ideais. Estou acabando meu vinho e agora vou para o hotel ensaiar mais uma crônica. Escrevo crônicas políticas para um jornal de São Paulo.
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